Quem é Vasco Branco? A pergunta é tanto mais intrigante quanto o homem e o artista são peculiarmente indissociáveis. O mesmo humor e seriedade, a mesma sede de ser e experimentar, partes iguais de empatia e de hedonismo criativo, a viagem nas veias: estrada fora ou céu aberto, Desde O Ignoto Aos Satélites Artificiais, título de um dos seus livros de divulgação científica.

Vasco Branco quis uma vida para lá da mediocridade e da ditadura de Salazar e inventou-a de muitos modos e muitas artes. Nos seus livros, seja no neo-realismo inovador de Os Vagabundos Ilustrados, ou em Os generosos delírios da Burguesia – prémio da Associação de Escritores, em 1979 -, há sempre a marca da oposição contra uma vida reprimida ou resignada.

Nasceu em 1919, na cidade de Aveiro. Só podia ter sido no bairro da Beira-Mar, que tinha o tamanho e a verdade do mundo. A vida dura dos marnotos, os artefactos, a faina, a laguna, viriam a ser os eixos centrais da literatura, da realização de curtas-metragens, da cerâmica e também da pintura, adoptando nestas duas últimas áreas o pseudónimo de “VIC”. A temática dos painéis cerâmicos espalhados por Aveiro, ou que ornamentam o viaduto de Esgueira, é semelhante à dos que se encontram em locais muito mais longínquos, como o Almeida Memorial Hospital, no Japão. 

Como realizador de curtas-metragens, recebeu vários prémios nacionais e internacionais. De filme para filme, Vasco Branco progride com uma rapidez insuspeitada. Espelho da cidade é o seu filme mais conhecido, um documentário com laivos de fantasia, e também aquele que mais reflecte a sua cidade natal. Foi distinguido com uma menção honrosa no “Festival Internacional du filme Amateur” de Cannes, o que lhe valeu um convite para integrar o júri do ano seguinte, que aceitou, acompanhado pela sua mulher- Maria Elisa Branco -, apurada crítica da sua obra. 

A pequena sala de cinema da sua casa, hoje VIC // Aveiro Arts House, está repleta de troféus e encontros. Esta mesma sala foi um quartel-general cultural da resistência ao regime, onde se reuniam figuras da cultura oposicionista, algumas das quais de Coimbra e do Porto. O seu entusiasmo estende-se à divulgação cultural, através da co-fundação do “Cineclube de Aveiro”, de que foi Presidente, de AveiroArte, do Clube dos Galitos, da colaboração em revistas e jornais como O Mundo literário (dirigido por Adolfo Casais Monteiro), Bandarra, Litoral, Libertação e do ensino de Cinema e de Cerâmica, com o mesmo espírito entusiasta com que foi membro do conselho geral da Fundação João Jacinto de Magalhães, Universidade de Aveiro.

Quem é Vasco Branco? Tão avesso à repetição e a fórmulas, aparece sempre sob uma luz nova, talvez inesgotável. Só o estilo une a diversidade dos processos e recursos de um artista que foi experimental em toda a extensão da sua obra vertiginosa, passando de uma arte a outra no colapso de um instante. Nada o define verdadeiramente como pessoa ou artista, mas tudo fala dele, os afectos com que tocou as pessoas e o modo experimental da sua criação artística, ainda hoje a dialogar com o amanhã.

Rosa Alice Branco